quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Alguns desejos


A gente fecha os olhos, faz promessa
e tem tantos desejos...

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Dois falsários ensaiam

Um dos textos mais lindos e mais significativos que já li no meu intervalo de vida...



- Tudo bom? O que aconteceu? Não tem me ligado! Não apareceu mais?
- Andei precisando ficar sozinho.
- O que aconteceu?
- Deveria ter acontecido alguma coisa?
- Como eu vou saber? Você mudou! Não é mais o mesmo!
- Não é possível que as pessoas continuem esperando que sejamos sempre os mesmos. Não há como ser sempre o mesmo. Você pensa que não mudou também?
- Sim! Não! Não sei se compreendi muito bem o que quer dizer? Não gosta mais de mim?
- Olha, sabe quando o fogo apaga porque não há ar suficiente?
- ...?
- É isso! O ar se extinguiu! E com ele a chama. Fica assim.
- O que faz você pensar que pode me jogar isso na cara assim de modo tão egoísta? Você não tem esse direito!
- Não, veja, não se trata de direito ou não! A questão aqui não é de posse, mas exatamente da total falta dela. Trata-se de desapego.
- Você está me ofendendo!
- Pois não deveria se sentir ofendida! Acontece o tempo inteiro no mundo. Aconteceu comigo, já deve ter acontecido com você e com pessoas que te amaram um dia. As pessoas se cansam umas das outras e fim. Algumas logo deixam transparecer. Outras escondem seus sentimentos esperando que algo aconteça, mas nada acontece, então desistem também. É do seu jeito. Resistem apenas um pouco mais. Há outras que preferem afirmar seus sentimentos de uma maneira abreviada. Este é o caso aqui. Não caberia falar de erros e desencontros. O que havia já não há mais. Já não há mais compreende? O que se pode fazer? Fingir certamente que não!
- Você sempre foi assim tão frio, tão cheio de juízos e razões! Você só está interessado nos teus motivos e no de ninguém mais!
- ...
- O que vai fazer agora?
- O que todas as pessoas fazem. Vou continuar.
- E para onde vai?
- O que importa nessa altura?
- Vai voltar?
- Não se pode responder a isso! Como negar que não? Como afirmar que sim? A vida tem...
- Ah vida!
- ...
- Você fala das coisas como se fosse o seu juiz!
- Não, eu não sou. Eu penso como os réus pensam. Apenas estou aguardando por algo numa situação interminável. Você não faz idéia...
- Eu não compreendo você!
- Faz bem. Já tem problemas demais.
- ...
- Li em algum lugar, uma vez, que talvez seja contra a natureza humana viver por toda a vida sempre interessado em apenas uma pessoa. O que pensa disso?
- Penso que é conversa fiada! Como tudo o que diz respeito aos sentimentos das pessoas. Fala-se muito sobre! Especialistas escrevem livros! Mas o que acontece sempre escapa a todos aqueles que estão de fora. Só quem vive sabe como é!
- Talvez não devesse descartar tão de imediato a idéia...
- Vai me fazer compreender? Vai me fazer me sentir melhor?
- Possivelmente não. Mas quem sabe torne você mais tolerante a tais desencontros. Um dia me foi importante aprender o mesmo! Nunca se esgota completamente o assunto. Mas já dá indícios para recomeçar de algum lugar.
- Você me cansa com a sua arrogância...Sempre incapaz de qualquer autoreprovação! ...Esse mesmo jeito de falar de todo o sempre!...
- Não acredito.
- Quê?
- Não acredito em você...Desse jeito...Com essa cara, esse modo de falar...Não é a imagem que eu vou levar comigo, ...Nunca me interessei por esse aspecto de você, ainda que compreenda que não muda muito as coisas...
- E você vai levar alguma coisa minha? Eu te deixei algo por acaso? Você vai esquecer, por Deus, vai esquecer tudo, sim! Só faz lembrar o que te apraz...Você não é tão consciente, não, não é!
- Eu vou levar algo seu, de qualquer modo. Assim como devo ficar, em parte. Não temos escolha. Não fazemos as regras.
- Para você trata-se de um lance de dados! Mas Deus não jogará mais dados! Não com a minha vida! Não mesmo!
- Tente não ficar assim. Não quero vê-la assim.
- E como devo ficar? Vou logo ali no quarto buscar o meu batom! Quer que eu escancare a boca pra você? Quem sabe quer que eu me dispa ainda mais? Isso! Vou tirar a roupa! O que me diz? Ainda dá tempo para uma boa transa, não? Vocês rapazes são sempre tão práticos! Tão pouco...convencionais!
- Eu acho que esse papel não lhe cai bem...
- E quem se importa! Quem se importa!?
- Eu ainda me importo com você...
- Ora, vá para o diabo com as tuas preocupações! São as minhas, entendeu! As minhas que estão em jogo! Só as minhas!
- ...
- ...
- É melhor eu ir embora agora...
- ...
- Queria...
-...
- Apenas te dizer mais uma coisa...
- Fica!
- ...
- Fica aqui...! Aqui comigo...!
- Olha, um dia eu quis ficar, muito, e um dia, também, quis apenas passar, como e com todo o resto das coisas que passam. Parte minha, a que quer ficar já é desencontro. A outra parte, já é partida. Não resta mais nada. Por favor, entenda...
- Porque você voltou? Porque veio? Diga! Porque veio?
- Para ver você. Uma última vez ainda.
- ...
- ...
- Satisfeito, então?
- Não.
- O que mais quer de mim?
- Quero que seja feliz. Quero que você saiba...
- Você é um imbecil completo! Com-ple-to!
- Talvez. Como todos os demais eu faço o que posso. Há tolos no mundo por toda parte. Tome cuidado com suas certezas aparentemente tão naturais. Mas não pense que são inevitáveis, por que não são!
- Vá embora!
- Uma última coisa apenas...
- Vá embora! Vá embora! Saia!
- ...
- ...
- Li um romance faz muito tempo, falava de um lugar distante...
- ...?
- Em Shangri-lá, após um período de cinco anos, diz-se que as pessoas perdem as recordações da vida que deixaram para trás e lhes resta apenas uma certa nostalgia por um tempo impreciso e remoto. A partir disso, finalmente, estão prontas para retomar a sua caminhada...Não carregam mais o peso inútil do passado...
- ...
- Eu espero que depois de fechar essa porta, esses cinco anos passem em cinco minutos e que você possa retomar a sua vida, como eu recomecei a minha um dia...
- ...
- É possível!...
- Nem mais uma palavra...por favor...
- É o que desejo.
- Você é tão...estúpido! A vida é tão estúpida!
- Assim que eu atravessar essa porta, vou fingir que os cinco anos também passarão em cinco minutos para mim e talvez assim eu possa te ver melhor. Talvez eu me sinta melhor.
- Mas são apenas palavras! Sempre são apenas palavras! Eu tenho muito medo! Medo! Medo!
- Eu também tenho! Já não estou mais tão certo assim das coisas. Mas me deixa ir...Me deixa partir...!
- Mas eu não estou mais impedindo você...! Você já disse tudo o que precisa dizer, não tem mais o que esperar aqui de nós, de mim, dessa casa!
- E vai fazer o que então?
- Ficar aqui. E esperar.
- Espera o quê?
- Você sair por esta porta, homem! Eu não compreendo vocês homens, não mesmo!
- ...
- ...
- Pois você deveria me impedir!
- ...?
- Você deveria!
- ...?
- Seja mais dura! Me ofenda se for preciso! Me arranque os cabelos! Jogue a maldita chave dessa porta idiota pela janela!
- ...?
- Diga qualquer coisa...Contra os meus motivos, as minhas razões...!
- Eu...
- Você deve se importar...!
-...?
- Nós estamos envelhecendo, sabia?
- Mas você agora mesmo...?
- Você é todo o futuro que eu tenho! E eu sou o único futuro de nós dois!
- ...?
-...?
-...
- Não sei mais o que dizer...! Não sei mais...Não sei mais o que dizer!
Ela apenas sorriu. Ela compreendia tudo sempre tão bem.
Epílogo:
- Terminamos aqui. Você hoje foi muito bem, meu amor.
- Você acha mesmo?
- Com toda certeza que sim!
- Eu gostaria de ficar em silêncio agora...
- Então não diga mais nada. Passamos tempo demais tentando decifrar enigmas por pura diversão. Esse jogo ainda vai nos desgastar um dia! O que será de nós quando enfim não sobrarem mais desafios nem coisas a serem redescobertas?
- Eu realmente não sei.
- Mas não se preocupe mais. Venha! Venha comigo! Vamos fechar essa porta! Vamos dormir...
- E esquecer tudo isso!
- Muito bem, meu querido! Muito bem!
- Eu estou exausto!
- Amanhã, assim que despertarmos bem cedo, você sabe, ambos estaremos...
- Em Shangri-lá, não é?!
- Exatamente! Agora durma, durma! Assim, muito bem, meu querido. Minha doce criança!
- Até quando vamos continuar com esse jogo?
- Durma! Durma! Durma e sonhe com Shangri-lá...
- Amo você.
- Também.
- Só mais uma coisa...?
- O que é?
- O que achou de minha performance esta noite?
- Dramática, eu diria...
- Ora, você será sempre terrível!
- Você na frente minha querida! Você sempre na frente...
E foram felizes para sempre.

Texto de Alexandre Magno da Silva, em 16.10.2002